29 de dezembro de 2011

42 e 43.


Enquanto caminhávamos para vir aqui na casa da minha vó Maria, minha mãe me perguntou por que sempre ando olhando pro chão. E disse que eu tinha que prestar mais atenção, senão acabaria batendo nas pessoas.
Disse a ela que isso não acontecia porque sentia as coisas ao meu redor, inclusive as pessoas se aproximando - ainda que fosse esquisito -, e sempre sabia o momento de desviar delas.
Adoro ir na minha vó, mas nunca tinha andado tão depressa na minha vida como hoje.
Vinte e quatro de agosto de 1995.

Lembro que naquele dia achei muito mais que uma moeda, achei uma nota grande. Sempre acho as coisas por olhar tanto pro chão. Gosto mais de olhar pro chão que pras pessoas e ver nelas mais do que elas estão dispostas a mostrar.
Todo mundo carrega algum sofrimento dentro de si e, por mais escondido que esteja, sem querer, eu o vejo. E o sinto.
Aquele dia foi a última vez que fiz aquele caminho pra ver minha vó. Naquela noite, ela foi embora.
Por um tempo, ainda a vi em muitos dos meus sonhos e era bom porque neles ela não estava mais doente.
Eu tinha onze anos.
Hoje, ainda sinto saudades dela. Sempre sentirei.
E também ainda sinto as pessoas e seus sentimentos, e suas intenções, e seus medos, e suas dores.

13 de dezembro de 2011

41.

Um lugar onde eu pudesse flutuar.

Cansada de toda essa sujeira, desse vazio de esperança sensata, dessa feiura. Cansada dessas coisas não só encontradas nos cenários, mas principalmente nas pessoas.
Queria mesmo era morar em um lugarzinho no mundo onde houvesse muito verde e pouca tecnologia; onde as pessoas passassem o dia sorrindo, ajudando umas às outras, dançando, cantando; onde nenhuma palavra feia e grosseira fosse dita; onde houvesse muito amor.
Onde pudéssemos fechar os olhos e usar apenas os outros sentidos, por longos minutos, pela eternidade se fossemos capazes. Que a vida fosse só aquilo, como uma garota deitada na grama, olhos fechados, quase flutuando. Só isso, mais nada.

2 de dezembro de 2011

40.

Nada é tão sólido que o tempo não devore.

Não me faça promessas que envolvam eternidade, meu bem, não sem uma condição. Não diga que vai estar sempre aqui, que o que sente é eterno, mesmo que tenha convicção, o tempo devora, ouvi dizer. Cada lindo sentimento, cada lindo desejo. Amanhã pode ser que nada disso esteja aqui, mesmo que hoje tudo pareça tão sólido, tão incorruptível.

20 de novembro de 2011

39.

Apenas o que é recíproco.
Hoje sonhei que amava alguém que amava um outro alguém e senti uma dor-fictícia, não aguda, mas arrebatadora, que tirava a vontade de qualquer-coisa.
A minha sorte é que, quando atravesso a linha tênue que divide o sonho da realidade, o meu coração não é masoquista e se obriga a pôr pra fora tudo o que não é recíproco.
E pela primeira vez a realidade tinha algo melhor a oferecer.

38.


A rua estava molhada pela recente chuva e a noite estava fria e escura. Ela estava andando pela calçada do caminho quase vazio, com seus amigos igualmente silenciosos, aproveitando a música invisível do silêncio. A única coisa que podiam ouvir era o som dos próprios passos.
Elena acendeu um cigarro e voltou a guardar o isqueiro no bolso da sua jaqueta. Ela tinha os cabelos longos e castanhos que, por hora, escondiam partes do seu rosto níveo.
Fechou os olhos e lentamente expirou a fumaça do cigarro. Se sentia entorpecida, como se não só a rua estivesse quase vazia, mas também ela.
Elena era uma garota aparentemente forte e inabalável, mas tinha o amor como seu ponto fraco, por isso se mantinha longe dos sentimentos, não suportava a ideia de ter a felicidade nas mãos de um outro alguém e por isso escolheu simplesmente não tê-la.
Ela tinha a incrível habilidade de nunca deixar nada transparecer, mas sentia que o amor a tornaria fraca e incapaz de manter tudo dentro de si, fechada como achava que era seguro ser.
O que ela não sabia era que não poderia fugir do amor, ele a encontraria e por algum tempo a faria muito feliz, até ter dela tanto desejo quanto medo, medo de perder, medo de ser magoada. Ela sabia que mais cedo ou mais tarde a felicidade daria lugar a dor. E esse seria o seu fim.

31 de outubro de 2011

37.

Quando chorar é melhor que sorrir.

Um espelho de moldura dourada em um quarto com paredes branco neve.
Nada mais. Sem detalhes. É isso que tenho sido desde o dia o qual não sei ao certo.
Me perdi, devo confessar, estou cada vez mais distante do que sou, entretanto, não estou distante do que quero... Não mais do que sempre estive.
Digo, com uma branda sinceridade, que é horrível ser esse espelho e aqui vai um conselho: nunca o seja. Larguei de lado minha bela tristeza e solidão. Certa noite esperei pelas palavras e elas não vieram, procurei as lágrimas e não as achei. No começo cheguei a pensar que talvez aquilo fosse um bom sinal, que as coisas estavam, naturalmente, tomando um rumo mais agradável.
Depois de uns dias queria de volta as minhas palavras tristonhas, meus sentimentos tão belos como uma canção de ninar. Percebi que a vida, do jeito era, não era triste nem feliz, mas vazia e não-bela, disfarçadamente vazia, sem objeções, sem desejos. E aos poucos, sem perceber, vim parar dentro deste espelho.
Quando chega a noite lembro-me que a cada segundo do dia eu estava a ser apenas o reflexo patético das pessoas que passaram por esse quarto com paredes branco neve, e tento todos os dias ser como uma flor simples e bela dentro de um jarro em cima de uma mesa de madeira antiga, lembrando sempre, com olhos úmidos, que a falta d’água ainda irá por deixar-me murcha, mas tendo a certeza de que sou o que sou, linda e tristonha, chafurdada em sonhos...

Eu, uma flor.

23 de setembro de 2011

36.

A pipa laranja.

O céu acima da minha cabeça estava inundado em núvens, mas a vista de longe era limpa. O dia estava lilás e frio e o mar era de um verde escuro, escondendo tudo o que nele vivia.
Não haveria ninguém na praia aquela tarde não fossem alguns garotos que corriam pela areia empinando uma pipa. Logo passaram por mim, sorridentes e radiantes como se nada mais importasse a não ser o pequeno papel colorido dançando por
entre as nuvens que avisavam sobre a chuva.
Eu continuava estática em frente ao oceano, o vento levando meus cabelos para longe, dançando com a pipa e as ondas do mar.
Os meus olhos se fecharam e o meu sorriso se abriu. Eu ouvia apenas o barulho do mar e da risada das crianças que tentavam, no céu escuro daquela tarde, desenhar lindos sonhos com uma pipa laranja.

1 de setembro de 2011

35.

Serenata.
Permita que eu feche os meus olhos,
pois é muito longe e tão tarde!
Pensei que era apenas demora,
e cantando pus-me a esperar-te.
Permita que agora emudeça:
que me conforme em ser sozinha.
Há uma doce luz no silencio, e a dor é de origem divina.
Permita que eu volte o meu rosto para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho como as estrelas no seu rumo.
Cecília Meireles.

4 de agosto de 2011

34.

As cores do meu quarto.

Aprendi que um objeto exposto a uma luz monocromática pode emitir apenas duas cores: o preto e a cor dessa mesma luz. Depois notei que a minha vida é como um quarto com uma luz monocromática emitida pelas pessoas a minha volta, e eu, um simples objeto, aparento ser como os outros que me cercam, não consigo mostrar as minhas cores verdadeiras. Vivo a procura de um lugarzinho no mundo onde cada um possa mostrar quem realmente é, onde as luzes são brancas e permitem que todas as cores sejam expostas. Não quero aparentar ser apenas o reflexo desse mundo patético, eu sou bem mais. Quero mostrar e ver toda a infinidade de cores ao meu redor, todo esse arco-íris. Queria um lugar onde as pessoas não vissem apenas o pior das outras, nem criticassem em noventa por cento do tempo em que estão acordadas. Ai, como eu queria um mundo onde eu pudesse respirar um ar sem toda essa maldade, maldade a qual também é a cor da luz monocromática dessa minha vida, essa maldade que é uma das únicas cores que eu posso exprimir nesse quarto preto e patético, preto e crítico, preto e maldoso, nesse quarto que de todo modo é escuro e não há portas nem janelas que deixem a luz entrar.

33.

Quem me dera ter a paz de uma aranha.

Eu olhava além, até que encontrei algo entre o objeto observado e eu (a observadora). Em uma teia muito interessante e nem um pouco visível estava ela: a aranha. Olhei, com olhos amiudados, aquele inseto minúsculo, e o que antes chamava a minha atenção perdeu a nitidez para dar foco a aranha, tão pequenina. Todo o som e todo o resto do mundo parecia ter sido suavizado. O minusculo inseto aparentava flutuar no ar, mas estava pendurado na sua teia finíssima, quase invisível. Cada pequena brisa que passava por ela a movimentava brandamente, era deleitoso olhar para aquele ser tão pequeno que tentava sobreviver em um mundo imensamente maior e ver que ele ainda conseguia se pendurar e se balançar como uma criança com um sorriso singelo, sem nenhum medo, sem nenhuma expectativa. Queria ser como aquela aranha que não se desesperou diante de coisas tão grandes ou mesmo pequenas, queria, em um mundo tão violento, transmitir a paz a qual ela aparentava ter, a paciência, a simplicidade. Queria eu flutuar como uma aranha e ter a paz precisa para atravessar o dia sem a ameaça constante das feridas de um mundo tão triste.

2 de agosto de 2011

32.

Mal secreto.
Raimundo Correia.

Se a cólera que espuma, a dor que mora
N'alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse o espírito que chora,
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!

31.

As pombas.

Raimundo Correia.

Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...

31 de julho de 2011

30.

A superfície.

A vida é como o mar, e você é como uma criança aprendendo a boiar, tentando se manter na superfície, sobre-viver. Algumas coisas sentimentos, pessoas, momentos boiam com você, muitos afundam e ficam lá na memória. Às vezes até você se afunda na vida, depois, com muito esforço, volta para a superfície sem precisar de ajuda, fora tudo uma questão de equilíbrio, você foi a causa e a solução. Outrora você afunda porque algumas crianças estão se movimentando na água, fazendo ela cair nos teus olhos, tirando a tua paz, e então você se afasta. Mas quero chegar ao ponto em que a vida se transforma e de repente você está sobre a areia movediça não mais o mar , ela te puxa pra baixo, ela te suga, e é quando você não pode se ajudar, não pode apenas achar o equilíbrio ou se afastar. Você precisa que te ajudem a voltar para a superfície, mas nem sempre existe alguém disposto a te dar a mão, alguns preferem apenas te ver afundando, e se não quiser ser tragado pela vida, meu caro, torça para ter um galho por perto.

29.


Você não precisa ser tão colorida se não quiser, vida. Se prefere ser preta e branca, pelo menos seja poética. Não quero dias toscos e bobos, com palavras, vacilos e atitudes patéticas. Quero o que desse modo vazio e inerte é também doce, quero a aparência de um filme de drama, que sendo triste é belo. Pois se ainda não é hora (quem sabe um dia) de ter os meus sonhos realizados, apenas faça dessa espera algo aconchegante, mesmo sendo frio. Não me deixe sorrir demais, vida, quando eu estiver prestes a fazê-lo me mande algumas notícias ruins antes que eu ria como uma boba de coisas patéticas. Quero a ausência dessas pessoas estúpidas e ignorantes, prefiro a solidão do que a presença delas. Isso!, quero solidão, um livro e músicas, só preciso disso, o resto deixa comigo, eu faço da vida uma canção triste, algum prelúdio de Chopin com a presença irrefutável do piano, uma pintura da natureza seca, triste e sozinha, mas nem por isso disforme. Quero a beleza do silêncio, do canto dos pássaros e do balançar das folhas, pois não me importa se os dias são tristes, felizes, ou simplesmente vazios como de costume , quero que sejam belos, pois são momentos assim que nunca saem da lembrança, e se por acaso a felicidade não chegar eu terei a beleza para guardar na memória.

5 de julho de 2011

28.

"O quarto continua silencioso enquanto nós
todos tentamos lembrar tão dificilmente
como é se sentir vivo."

Lágrimas e espelhos.

Estava eu pensando, em uma noite de terça, enquanto o cansaço e a melancolia me abraçavam, entre lágrimas silenciosas e palavras estridentes que a boca não dizia, mas a mente gritava:

Meus dias são entediantes e cinzentos como retratos esquecidos que não relembram momento algum. Me olho no espelho e lágrimas caem, lágrimas vazias e que, apesar de serem líquidas, representam o caminho seco em que estou. Quando, de vez em quando, o otimismo bate a porta, penso que dias assim acabarão, que tudo vai passar, que algo bom haverá de acontecer em breve; outrora imagino que daqui a muitos anos me olharei em um espelho como esse e derramarei lágrimas secas e vazias como essas, meus cabelos apresentarão fios grisalhos e minha pele não será mais tão bela.

No espelho a minha imagem, a qual não reconhecerei facilmente. "O tempo passou", pensarei, mas não lembrarei de tê-lo sentido. A mulher no espelho me olhará e perguntará com deboche: "Ora, ora, mas o que fizestes da vida, minha querida? Que história tens a contar-me?" Mas nada sairá dos meus lábios, pois estarei a procura, por entre as paredes da memória, de alguma aventura ou amor veemente, mas só haverão uns poucos quadros agradáveis que com o tempo se tornaram entendiantes.

Coisa alguma eu responderei em pensamento – coisa alguma tenho para contar, coisa alguma vivi, e me parece que se passaram apenas alguns minutos desde quando eu pensei que tudo ficaria bem, mas os dias voaram e junto com eles os meses e os anos. E aqui estou eu no começo-do-fim do que nunca tive a coragem de realmente começar: A vida. Nunca gostei de desfechos, talvez porque no fundo sempre soubesse que, diferentemente dos filmes, a vida não reserva algo bom no final.

23 de junho de 2011

27.

Sem deixar rastros.

Toda noite eu esperava ansiosa pra te encontrar em sonho, me arrumava para que você parasse na região onde eles nasciam e viesse alegrar a minha noite e madrugada, o curto-longo espaço de tempo anterior aos problemas, à realidade, à vida, à manhã que fazia todos se levantarem e encararem seus medos  ou não. Mas assim era; nos encontrávamos toda noite e isso me bastava, vivíamos uma história adorável, até que um dia, eu, arrumada e ansiosa  fechei os olhos pra te ver e você não apareceu, voltei a sonhar com aquelas coisas estúpidas e sem sentido que a minha mente criava quando você não vinha. Você era o melhor de mim e o resto que antes me bastava já não era suficiente. O pior é que eu não podia te obrigar a voltar, eu não podia fazer nada, não há controle sobre o que não é real, um dia tudo simplesmente vai embora, evapora, sem deixar rastros. Não construa seu castelo com tijolos imaginários, um dia você pode se ver sem nada do que criou.

18 de junho de 2011

26.

A garrafa com um sonho dentro.

Na beirada do rio ela estava, era uma manhã ensolarada e tudo tinha ficado meio amarelado, se sentou e colocou sobre as pernas um pequeno caderno, com cuidado passou seus cabelos para o lado esquerdo e suspendeu suas pernas para fazer de apoio. Ao seu lado estava uma garrava transparente e pequena com uma rolha que a tampava. Pegou o lápis e depois de alguns segundos olhando fixamente pro grande rio azul, explorando cada parte que podia ser vista, já sabia o que escrever. E assim pôs no papel com linhas azuis:

Te espero. E mesmo que me canse, mesmo que eu queira acabar com a esperança que carrego. Te espero, te espero, mesmo sem querer.

E você deve estar se perguntando: Te espero? Espera quem? Ela esperava muitas coisas: um amor, amigos verdadeiros, felicidade, sonhos realizados, sorrisos, aquela carta era para muitos, porém nenhum destinatário a receberia. A garota enrolou o papel com cuidado, o colocou dentro da garrafa e tampou-a novamente com a rolha; ergueu o objeto até a atura do rosto e olhou a carta lá dentro sorriu não sabia aonde ela chegaria, mas sabia que, certamente, iria à algum lugar. E jogou a garrafa no rio, deixou-a a mercê dos ventos. E, sem ter saído do lugar, ficou olhando ela ir pra longe.

Abraçou as pernas dobradas e olhou fixamente pro grande rio azul, explorando cada parte que podia ser vista, já sabia onde ir, iria de volta para vida, para casa, para o seu mundo real e não-belo. E lá estava ela, a mercê dos ventos, como a garrafa jogada no rio, lá estava ela, sem saber aonde chegaria, mas sabendo que, certamente, iria à algum lugar.

25.

Aqueles dois.
Pelas tardes poeirentas daquele resto de janeiro, quando o sol parecia a gema de um enorme ovo frito no azul sem nuvens no céu, ninguém mais conseguiu trabalhar em paz na repartição. Quase todos ali dentro tinham a nítida sensação de que seriam infelizes para sempre. E foram.
Caio Abreu.

24.

Consigo mesma.

Se abraçava bem, bem forte. Talvez não tivesse mais ninguém no mundo que nunca desistiria dela daquele modo. Estava sempre ali, sempre, ela consigo mesma. Acalmava-se, desesperava-se, mas sempre dizia: as coisas não são tão ruins assim. E até hoje ninguém sabe se realmente eram ou não, o que se sabe é que as palavras dela pra ela mesma a confortaram. Odiava confessar, mas adorava aquelas mentiras bonitas, aquelas as quais ela não sabia que eram mentiras, afinal, você concorda comigo que tudo é verdade quando acreditamos? Pois então, se ela não se alimentasse daquela ilusão, de que viveria? Morreria de fome, fome de momentos que ela só vivia na imaginação e que adoraria ter na realidade, mas que como não tinha, sonhava, sempre e sempre.

22.

Cartas para Julieta.

"E" e "Se" são duas palavras tão inofensivas quanto qualquer palavra, mas coloque-as juntas lado a lado, e elas tem o poder de assombra-lá pelo resto da sua vida. "E se..." Não sei como sua história acabou, mas sei que se o que você sentia na época era amor verdadeiro então nunca é tarde demais. Se era verdadeiro então, porque não o seria agora? Você só precisa ter coragem para seguir seu coração. Não sei como é sentir amor como o de Julieta, um amor pelo qual abandonar entes queridos, um amor pelo qual cruzar oceanos. Mas gosto de pensar que, se um dia sentisse, eu teria coragem de agarrá-lo. E Claire se você não o fez, espero que um dia faça.
Julieta.

10 de junho de 2011

21.


Quando Ana me deixou, eu fiquei muito tempo parado na sala do apartamento, cerca de oito horas da noite, com o bilhete dela nas mãos. No horário de verão, pela janela aberta da sala, à luz das oito horas da noite podiam-se ainda ver uns restos dourados e vermelho deixados pelo sol atrás dos edifícios, nos lados de Pinheiros. Eu fiquei muito tempo parado no meio da sala do apartamento, o último bilhete de Ana nas mãos, olhando pela janela os dourados e o vermelho do céu. E lembro que pensei agora o telefone vai tocar, e o telefone não tocou, e depois de algum tempo em que o telefone não tocou, e podia ser Lucinha da agência ou Paulo do cineclube ou Nelson de Paris ou minha mãe do Sul, convidando para jantar, para cheirar pó, para ver Nastassia Kinski nua, perguntando que tempo fazia ou qualquer coisa assim, então pensei agora a campainha vai tocar. Podia ser o porteiro entregando alguma dessas criancinhas meio monstros de edifício, que adoram apertar as campainhas alheias, depois sair correndo. Ou simples engano, podia ser. Mas a campainha também não tocou, e eu continuei por muito tempo sem salvação parado ali no centro da sala que começava a ficar azulada pela noite, feito o interior de um aquário, o bilhete de Ana nas mãos, sem fazer absolutamente nada além de respirar.

Caio Abreu.

20.


Várias e várias borboletas empalhadas, era o que ela via naquela sala. Sentia uma mistura de fascinação e tristeza, pois haviam ali espécies as quais ela nunca imaginou que existiam, tão raras, tão belas, e pra quê? Não entendia. Pra que tanta beleza presa atrás de um vidro? Elas, tão lindas, nunca poderão voar outra vez, não poderão embelezar os jardins, os campos e nem polinizar as flores. Então me diga, pra quê? Pra que serve a beleza morta em um pote de vidro?

19.


Eu abri os olhos e tudo era colorido. Não sei porquê, mas o cenário me lembrava uma outra época, aquela dos filmes antigos, com castelos e vestidos grandes, e por falar em vestidos grandes, era o que eu vestia, um formidável e simples, sem anáguas; meu cabelo estava solto, mas com uma trança pequena de cada lado, que ao longo de si mesmas se encontravam e viravam uma só.

Eu olhava fascinada, o castelo era enorme visto de fora, e aparentemente antigo, com janelas, chaminé e paredes de pedra, mas algo chamou a minha atenção: um pequeno caminho feito de pétalas rosas com extremidades brancas, o segui. Havia um portão ao lado direito, o qual empurrei emitindo um som típico do mesmo. Naquela parte havia um jardim lindo e imenso, era difícil não se perder, haviam flores dos mais variados tipos e cores, pássaros, árvores altas e borboletas. O vento batia, mas não estava frio, nem quente, um meio termo, eu acho. Ouvia o som dos pássaros e fechava os olhos pra ver tudo aquilo melhor, era encantador. Sorri e corri por entre as flores, as árvores, tudo, sorria e me perdia, até não saber mais de onde vim e nem pra onde ia, mas não estava preocupada em voltar, eu só queria ir e conhecer o que estava por vir, o mais depressa possível, antes que o sonho acabasse.

9 de junho de 2011

18.

O espelho despedaçado.

Ele deixou cair no cinzeiro o cigarro que se apagara.
Uma vez, quando era menor ainda do que você, brincava com um espelhinho à beira de um poço da minha casa, eu morava numa fazenda meio selvagem. O poço estava seco e era bonito o reflexo do espelhinho correndo como se fosse uma lanterna pela parede escura, sabe como é, não?
Mas de repente o espelho caiu e se espatifou lá no fundo.
Fiquei desesperado, tinha vontade de me atirar lá dentro pra buscar os cacos do meu espelho. Então alguém acho que foi meu pai levou-me pela mão e me consolou dizendo que não adiantava mais nada porque mesmo que eu juntasse, um por um, os cacos todos, nunca mais o espelho seria como antes. Sabe, Virgínia, vejo Laura como aquele espelho despedaçado: a gente pode ir lá no fundo e colar os cacos, mas tudo então o que ele vier a refletir, o céu, as árvores, as pessoas, tudo, tudo estará como ele próprio, partido em mil pedaços.
Veja bem, triste não é o que possa vir a acontecer... a morte, por exemplo. Triste é o que está acontecendo neste instante. Ela tem a cabeça doente, o coração doente... E não há remédio. Só o sopro lá dentro é que continua perfeito como o espelho, antes de cair no chão.

Lygia Fagundes Telles.

8 de junho de 2011

17.

O açúcar.

O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.

Este açúcar veio
da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira,
dono da mercearia.
Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.

Em lugares distantes, onde não há hospital
nem escola,
homens que não sabem ler e morrem
aos vinte e sete anos
plantaram e colheram a cana
que viraria açúcar.

Em usinas escuras,
homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema.

Ferreira Gullar.

7 de junho de 2011

16.

Luzes apagadas.

Não havia ninguém em casa, então ela resolveu começar um daqueles seus momentos que julgava serem belos. Diante do silêncio da casa inerte desligava todas as luzes, colocava a sua atual música preferida e ligava a lanterna, não sei porquê, mas adorava fazer isso, ficava iluminando pequenas partes do quarto, olhando cada detalhe. Se jogava na cama e iluminava o papel colado no teto que dizia: Tudo vai passar. Tudo vai ficar bem. Ela havia escrito no intuito de se animar nas horas difíceis. Mas acho que o que ela gostava mesmo nisso tudo era apagar todo o resto e se concentrar em uma só coisa, olhar os detalhes, não ter que pensar demais com tantas informações, só queria que tudo fosse mesmo que por um breve momento simples e não tão cheio. Depois levantava, aproveitava o refrão, ia cantando e girando pelo quarto com sua luz na mão, iluminando rápido as coisas na parede, os retratos tirados na infância, os ursos, as coisas jogadas pela cama, a cor da parede já antiga, e por fim tinha visto todo o seu quarto, que abrigara tanto de si. E então parava, desligava a lanterna, ligava as luzes, abaixava o som e se ligava pro mundo outra vez, embora preferisse as luzes apagadas.

6 de junho de 2011

15.

O caminho e o destino.

Sentou-se em um banco estreito, ao lado do velho homem que sempre aparecia pelas bordas da vida vazia. Com seu charuto na boca, tinha cor morena, cabelos grisalhos e voz serena. Aparentava ser sábio, e as rugas na face denunciavam sua longa experiência.

Céus, como estou cansada.
Cansada de que, querida?
De andar tanto e não encontrar coisa alguma, senhor.
Bem sei, bem sei. Disse afirmando com a cabeça. Com seu charuto por entre os dedos, pintava no rosto um sorriso quase invisível.
Estou com fome.
Fome de que, querida?
De sonhos realizados, eu acho.
Bem sei, bem sei. Disse o velho tirando o charuto da boca, deixando a fumaça sair. E continuou:
A fome morre no corpo. Os sonhos morrem na alma.
A fome morre no corpo. Os sonhos morrem na alma. Ela repetiu.
Sabe, senhor, o pior é não saber quando essa jornada cansativa vai acabar.
Talvez você não deva nem queira saber, minha jovem.
Pois quero, e até me atrevo a dizer que devo!
O velho sorriu.
E se a vida for menos do que você pensa? E se os teus sonhos forem como névoa prestes a se dissipar?
Não suportarei, eu suponho.
Pois então, se alimente dos sonhos enquanto eles podem matar a tua sede, enquanto você ainda tem fé o bastante pra criar um destino que ainda nem veio.
Ela suspirou e disse:
Devo continuar, senhor?
Sempre, querida. Sempre.

4 de junho de 2011

14.

Um homem leal.

Apaguemos a lanterna de Diógenes: achei um homem! Não é príncipe, nem eclesiástico, nem filósofo, não pintou uma grande tela, não escreveu um belo livro, não descobriu nenhuma lei científica. Não, o homem que achei não é nada disso. É um barbeiro, mas tal barbeiro que sendo barbeiro, não é exatamente barbeiro. Perdoai esta logomaquia; o estilo ressente-se da exaltação da minha alma.

Achei um homem!

Se aquele cínico Diógenes pode ouvir, do lugar onde está, as vozes de cá de cima, deve cobrir-se de vergonha e de tristeza: achei um homem! E importa notar que não andei atrás dele. Estava em casa muito sossegado, com os olhos nos jornais e o pensamento nas estrelas, quando um pequenino anúncio me deu rebate ao pensamento, e este desceu mais rápido que o raio até o papel. Então li isto: “Vende-se uma casa de barbeiro fora da cidade, o ponto é bom e o capital diminuto; o dono vende por não entender.”

Eis aí o homem! Não lhe ponho o nome, por não vir no anúncio, mas a própria falta dele faz crescer a pessoa. O ato sobra. Essa nobre confissão de ignorância é um modelo único de lealdade, de veracidade, de humanidade.

“Não penseis que vendo a loja (parece dizer naquelas poucas palavras do anúncio) por estar rico, para ir passear à Europa ou por qualquer outro motivo que à vista se dirá, como é uso escrever em convites destes. Não, senhor; vendo a minha loja de barbeiro por não entender do ofício. Parecia-me fácil a princípio: sabão, uma navalha, uma cara; cuidei que não era preciso, mais escolha que o uso, e foi a minha ilusão, a minha grande ilusão. Vivi nela barbeando os homens. Pela sua parte, os homens vieram vindo, ajudando o meu erro; entravam mansos e saíam pacíficos. Agora, porém, reconheço que não sou absolutamente barbeiro, e a vista do sangue que derramei faz-me enfim recuar. Basta, Carvalho (este nome é necessário à prosopopéia), basta Carvalho! É tempo de abandonar o que não sabes. Que outros muitos capazes tomem a tua freguesia…” a grandeza deste homem (escusado é dize-lo) está em ser único. Se outros barbeiros vendessem as lojas por falta de vocação, o merecimento seria pouco ou nenhum.

Assim os dentistas. Assim os farmacêuticos. Assim toda a casta de oficiais deste mundo, que preferem ir cavando as caras, as bocas e as covas, a vir dizer chãmente que não entendem do ofício. Este ato seria a retificação da sociedade. Um mau barbeiro pode dar um bom guarda-livros, um excelente piloto, um banqueiro, um magistrado, um químico, um teólogo. Cada homem seria, assim, devolvido ao lugar próprio e determina.

Autor: ASSIS, Machado de.
Leia também: A cartomante.

13.


Ela corria feliz pela grama, podia ver os morros que aparentavam estar pertos, mas estavam longe. Seus cabelos balançavam no mesmo ritmo da sua felicidade. Corria para o seu destino, sim, corria como nunca, e talvez o que estava a sua espera nem fosse tão bom, mas a felicidade estava em correr, correr sem olhar pra trás, porque de tanto andar desanimada e sozinha por caminhos tristes, ela finalmente encontrara o verde, o belo, o simples que ela tanto queria, e corria sem pensar odiava pensar demais, nunca tivera bons resultados corria de olhos fechados e seu sorriso quase que não cabia no rosto. Não pensava em desapontamentos, nem em decepções, sentia o vento gélido tocar-lhe a face. No fundo, o único medo era de que o tempo acabasse com a beleza de um sonho realizado.

25 de maio de 2011

12.

Lágrimas silenciosas.

Sinto as gotas d'água que caem do chuveiro rolarem pela a minha face, e é meio difícil perceber qual dessas gotas são lágrimas. Choro por coisas acumuladas e engolidas que vêm a tona quando tudo está cheio demais, choro por pessoas que machucam sem nem ao menos perceber, por pressão, e por não ter o extremo esforço reconhecido.

Mas quero esquecer tudo isso, então fantasio e penso que essa vida poderia ser apenas um longo pesadelo, desejaria acordar em um mundo totalmente diferente, e respirar aliviada por tudo ter voltado ao seu perfeito normal. Que nesse mundo não houvesse tristeza, nem dores indesejáveis, e que todos vivessem em plena harmonia. Uma sociedade sem sistemas, em que as pessoas fossem completamente livres, felizes, e amassem sem medo.

— Até que acordo dessa ilusão, é tão ruim acordar, bem melhor é sonhar, ótimo é viver, mas como não se pode ter tudo, aceito as fantasias. — Abafo o som do choro para que ninguém o escute e me encha de perguntas cujas respostas não serão compreendidas. A minha cabeça dói, os meus olhos doem, a minha alma dói também.

Sei que amanhã tudo passará e essas palavras não serão mais por mim inteiramente compreendidas. É como diz uma das minhas frases: Quando os sentimentos passam parecem estranhamente desconhecidos.

11.

Todos dormem.

Está tudo silencioso e escuro agora. Já é noite e todos dormem. Consegue imaginar? Bem sei que é no silêncio que as palavras surgem, saem de algum lugar dentro de nós em que elas estavam meio escondidas. Mas quase nunca você tem um papel e uma caneta para escrevê-las, então você fecha os olhos, sonha, acorda e as esquece. É engraçado ficar acordado enquanto todos dormem, você se lembra de que pela manhã ninguém para, estão sempre fazendo algo, mas à noite eles têm a necessidade de fechar os olhos e diante de tanta realidade, de tantos problemas, descansam e sonham.

21 de maio de 2011

10.

A vida é uma piada.

Tem um vazio aqui, e já comi tanto pensando que era fome, bebi bastante pensando que era sede, mas não era fome nem sede, mas sim, fome e sede. Uma fome de qualquer coisa, uma sede de sorrir, gargalhar, abraçar. E era tão grande que eu estava prestes a rasgar todo aquele cenário de idiotas, aquele desenho da multidão que não se fazia presente, aqueles rostos nos bancos sentados, e eu alí, no palco da vida, me movimentando como se estivesse em uma cadeira-de-balanço, pensando no que a vida teria para me dar — teria? tem? — e ainda me balançando na minha cadeira-de-balanço feita de plástico vinho — como era a da minha vó que se foi faz algum tempo — assistindo a vida pela janela, sendo limitada por um vidro chamado comodismo. Bem sei que um dia abro a porta e saio sem me preocupar com penteado ou maquiagem, gritando pra quem quiser ouvir, que a vida é uma piada.

09.

Verdades em mentiras.

Não fazia sentido, nem respostas tinha, mas ela sabia que a verdade não a levaria a nada, então virou sem titubear uma dose de fantasia, pra se acalmar e esquecer das coisas que machucam, das verdades que os fantasmas sussurram. No fundo ela sabia de tudo, mas preferia deixar bem lá no fundo, preferia modificar a verdade, transformá-la em mentira, mesmo que fosse apenas na sua mente isso a ajudaria a viver melhor, isso a ajudaria a viver pensando que a vida era algo mais do que ela tinha.

20 de maio de 2011

08.

O caminho e o destino.

Então a garota, já cansada de andar contra o vento, viu um senhor com um charuto na boca, sentado em um banco às margens da vida. Ela resolveu se sentar ao lado dele, a fim de descançar um pouco e saber se ele poderia responder uma de suas inúmeras perguntas sobre aquela jornada.

— Ei, senhor, essa vida cheia de compromissos, obrigações e esforço? Essa vida, aonde nos leva?
— Ao fim, minha jovem.
— E o que tem lá, senhor?
— No fim?
— Sim.
— Não há nada, querida. Não há nada.

Ela meneou a cabeça, pôs um olhar triste no rosto e voltou a andar. Não queria, não havia razão para continuar, mas ela tinha medo de parar, então andava, quem sabe mais à frente encontrasse algumas mentiras confortáveis, porque de nada lhe serviria a verdade nua, crua e cruel, de nada lhe serviria, pois não pararia de caminhar. Embora sem ânimo ela ainda acreditava — mesmo que bem pouco, quase inerte — que a vida reservava algo bom no final.

6 de maio de 2011

07.

A imagem.

Palavras sem sentido, só as entende quem não precisa dele.
Só as entende quem o cria e dá o rumo mais belo que desejar.


Era a concha, era o mar, o amor, o som que parecia vir de dentro da concha, o mesmo som do mar. Era a rosa, o vento, a chuva, a flor que perdia a doçura, as coisas que o tempo levava. A imagem que só eu entendia e que todos viam apenas como uma imagem sem sentido, mas eu sei que era a flor, o vento, a chuva, o vento levando a doçura e aquilo se repetindo mil vezes dentro de mim, porque eu entendia, eu sabia, eu via o sentido – ou o criei? Mas eu sei que era o tempo levando a beleza da flor, e a chuva como lágrimas caindo gritando o sentido que ninguém pôde ver.

06.

Miragens.

Eu disse "tchau", mas era como um adeus, porque eu estava cansada de ter que sempre destruir os planos que fazia sobre nós. E não que você tivesse culpa, na verdade era eu, sempre eu, que fazia tudo parecer um conto de fadas antes mesmo de acontecer. Era sempre eu e a minha necessidade de achar alguém que colava a imagem do garoto certo no rosto do primeiro simpático que aparecia.
Mas estou cansada, claro, estou cansada, sempre cansada, mas de que adianta? Amanhã cometerei o mesmo erro.
À noite a verdade sempre vem à tona, aquilo lá longe não é um príncipe, muito menos um sapo, é só a sua imaginação, querida, só.

05.

A viagem.

Sorridente, radiante, ela pegou as malas em cima do guarda-roupa, começou com a sua favorita, uma cor-de-rosa que ganhou da sua tia, abriu-a bem devagar, como se estivesse filmando aquele momento para que fosse lembrado para sempre.

Ela amava começos e odiava finais, mas o que importava era que aquele era o começo, o começo de uma nova vida; em outro lugar, com pessoas diferentes, tudo o que ela sempre quis. Colocava uma a uma de suas melhores roupas na mala cor de rosa, não que rosa fosse a sua cor predileta, apenas achava agradável. Ela nem conseguira dormir direito esperando o sol aparecer. Em algumas horas estava arrumada e ansiosa a espera do taxi que a levaria até o aeroporto. Despedia-se de seus poucos, e não tão presentes, amigos, de sua família da qual sentiria muito falta da sua mãe e da sua tia, abraçou a todos dizendo adeus e recebendo as palavras de sorte que eram desejadas a ela, mas ouvia com sinceridade apenas algumas.

Do taxi olhava a paisagem daquela pequena cidade, que nunca lhe enchera os olhos. A garota sentia o vento frio balançar-lhe os cabelos; e pela primeira vez sentiu ternura por aquele lugar, agora visto de forma tão amável, uma vez que ela não ficaria mais muito tempo por ali. Minutos depois ela havia chegado ao aeroporto, depois de um pouco de espera finalmente estava sentada na poltrona do avião, próxima a janela, como ela queria.

Ainda em terra firme, pensava em todas as coisas que viveu, todas as lágrimas, todo o vazio que no presente momento havia sumido, todos os sonhos, toda a rotina e a dificuldade de acordar a cada manhã, todas as músicas, todas as danças feitas na frente do espelho, todas as vezes em que cantou como se tivesse uma voz linda e como se cantasse para milhões de fãs. Ela riu de tudo isso, achava a vida engraçada e difícil, mais difícil do que engraçada, mas como estava feliz ela ria. Ria das feridas que doem, mas que com o tempo cicatrizam e então nos perguntamos: como eu pude cair desse modo?

Ela estava indo embora, da cidade, do país, da vida que tinha, e até mesmo indo embora da antiga pessoa que era. E sim, isso era o que ela queria! Mas sentada naquela poltrona, olhando pela janela a sua pequena cidade, ela deixou uma lágrima sutil rolar a face. Sentiria falta das coisas simples e chatas, ela sabia que ainda derramaria algumas lágrimas lembrando daquele lugar.

Mas precisava ir, precisava encerrar capítulos e começar outros, ela precisava voar, sonhar outros sonhos. O avião decolou e então ela viu que aquele era o começo, mas ao mesmo tempo o fim, ela sorria e derramava lágrimas, sentia duas coisas diferentes. Mas a garota se lembrou dos momentos bons que vivera, das pessoas boas que conheceu, então ela olhou pela última vez a cidade, de lá do alto, que ficava menor a cada segundo, e então ela sabia que nunca se esqueceria de nada do que viveu ali, mesmo que tudo tenha sido tão morno e monótono, ela sabia que um dia voltaria àquela pequena cidade e diria com os olhos brilhantes:
Nada mudou por aqui.

04.

Doía não ter o que só existia nos livros e filmes, mas doía mais ainda não ter o que estava ao alcance das mãos, o que era possível.

03.

Só consigo sentir um profundo cansaço, como se eu devesse apenas deixar tudo para trás, sem esforços. E dormir um sono profundo. E sonhar.

1 de maio de 2011

02.

Fantasmas da noite.

Estar sozinha é não ter ninguém por perto. Se sentir sozinha é quando não há no mundo ninguém disposto a estar por perto, a te ajudar. Certo dia, estavamos eu e os fantasmas, e eu me sentia só, pedia aos prantos para conseguir dormir o mais breve possível naquela noite, desejando que esses fantasmas que esfregam verdades racionais demais, desaparecessem. Tampava os ouvidos diante do silêncio, mas o que eu queria na verdade era não escutar o que eles sussurravam: coisas sobre a vida e sua falta de sentido, sobre como a felicidade não existia e as pessoas machucavam, coisas que eu estava cansada de saber, mas que machucavam milhões de vezes mais quando ouvidas à noite, no silêncio, no escuro, no frio e na solidão, porque misturar tudo isso com a presença absurda de perguntas e a total ausência de respostas, dói mais do que se pode imaginar.

Eu lembro que a vontade de chorar sem ter que se preocupar com os ouvidos alheios era enorme, e que eu procurava aqui dentro uma mínima resposta e não encontrava, eu imaginava coversar com alguém que na realidade eu gostaria que se importasse, mas por parte eu sentia vergonha, vergonha dessa maldita fraqueza que me invadia, dessa minha incrível capacidade de fazer da vida um drama, e de querer não existir, mas com conciência de que nem em sonho eu teria coragem de tirar a minha vida. Eu olhava pela janela do meu quarto, que dava até à grade da garagem composta por algumas partes onde se podia ver o céu, eu olhava pro azul escuro, e pedia, por favor Deus, me faça dormir e entrar em um sonho bom, um lugar melhor do que esse, com sorrisos e ausência de lágrimas, e tire todos esses fantasmas daqui, toda essa racionalização da vida, pois quero ser ignorante, quero não saber que tudo no fim pode não terminar com "e eles foram felizes para sempre", que tudo pode não ter sentido, nem valer a pena. Tentei pensar em uma vida melhor, criei meu próprio sonho já que o sono não vinha, até que acordei com o alarme do celular tocando a música "garotos" de leoni, quando na verdade eu escutava algo mais ou menos assim: acorda, a vida continua.

01.

01 de maio de 2011

Hoje é um daqueles dias vazios, em que não há nada de bom pra te animar, que você para um pouco e encontra sua vida dividida em dois lados opostos: de um lado os sonhos, as fantasias, os desejos e as ilusões que nós mesmos criamos; do outro a realidade rude, inexorável, insuportavelmente rotineira e sem surpresas, cheia de obrigações e cores próximas ao preto e branco. A fantasia é a esperança, imaginamos um futuro melhor, com mais sonhos virando realidade, e não apenas sonhos que não saem da suposição; a fantasia é pra isso, pra dar um pouquinho de cor à realidade, pra não cairmos, diante de tantos desejos não concretizados. A fantasia é o alimento da esperança, e se o ditado diz que a esperança nunca morre, a fantasia também não.