Os dias seguem abominavelmente patéticos, tão pequenos e feios que até o sonho se moldou assim. Por esse motivo, à noite, entregue ao sono, não mais possuo o bom sonho como instrumento de fuga da realidade que carrego nos ombros.
O preto-e-branco foi tomando conta do cenário, que já não era provido de muita cor, e então, numa tarde dessas, num vazio desses — me alcançou.
Estou quase sem cor por inteiro, a região onde nascem os devaneios persiste, assim também o coração e os olhos. Mas todo o resto já foi tomado e a força já não existe. Nem mesmo as lágrimas resistiram — nenhuma expressão da dor, apenas a dor, seca e fria.
E na ânsia de não partir desse mundo tão belo — quem escreve nunca está sozinho, ouvi dizer — tento-me encher o quanto posso de saberes. Mas quanto mais sei menos sei e acabo concluindo que não há verdade concreta alguma pra se saber, apenas milhares de supostas verdades e milhões de possibilidades que devem mesmo ser a origem da insanidade do homem.
Houve uma época — não tão longe quanto a palavra "época" faz soar — em que escrevia boas poesias com uma constância considerável. Era acolhedor aquele sentimento de ter transformado o incomodo em pérola, mas então pensei: Talvez chegue um tempo em que eu seque.
E sequei.
***
A ultima gota de tinta colorida sumiu.Era todo preto e branco o quadro, já não mais se via colorido algum. Assim na alma, assim nos devaneios, assim nos olhos, no coração, assim nos que tanto lutaram e lutando desfaleceram.
O desenho do poeta no quadro sumiu, e reapareceu em um outro patético, feio e seco. Chamavam o lugar que compunha o cenário de "vida comum", "realidade pura", "comodismo". Mas suponho, amigo, e creio que irás concordar comigo: aquele era seu inferno, para o qual infelizmente estava vivo.