Àrvores de Natal
Gilda descobriu-se viva. Aquela que muito incomodava, tinha poucos amigos e era pouco querida. Assim também o era Ana (seu milagre de natal), que quase nenhum incomodo causava e cuja existência poucas vezes era sentida. Tinha os braços finos, as pernas finas e sonhos e desejos grossos como grandes e velhas árvores, mas isso não era visível. Só quem se aproximava e ouvia o barulho das folhas ficava sabendo, lhe oferecia um abraço e sentava embaixo, na sombra – e dormia um pouco, e sonhava (acho até que era um pé de manga espada). Árvore visível era Gilda, seu cabelo de copa, de folhas de sabedoria, de grandeza; sua aparente força indestrutível e armadura, dura, escondia que ela dava frutos doces, os mais doces e vermelhos, mas frágeis ao cair no chão, desmanchando-se ao mínimo toque que não fosse de flor ou de passarinho.
Em uma dessas ocasiões de poucos frutos nos galhos e muitos desmanchados no chão, Ana questionou-lhe à vida (como último sopro, grito de socorro de árvore que também morria), chamou-lhe de volta para sua existência frondosa – há muito esquecera de si e imersa em feridas: murchava.
Dividiram a seiva do Natal e as dores do ano, colaram uns galhos perdidos, cortaram outros podres. Por fim, viraram pinheiro, usaram os enfeites velhos e empoeirados e a estrela, meio tímida, brilhou.
Não esperaram o Papai Noel, que Papai Noel não existe.
Àrvores de Natal, sim.
E brilham.