24 de fevereiro de 2012

54.

Essa noite. 

Eu não o quero mais. Eu não me quero mais. Eu não quero mais nada.
Sim, hoje é uma daquelas noites. Vocês estão cheios disso, mas não sãos os únicos. Cansei de mim também.
Cansei de sentir sempre as mesmas coisas e perceber que nada muda, que nada faço, que nada vem. E nada busco.
Apenas espero, apenas desejo.
E de tanto querer tudo, essa noite não quero mais nada. Não quero você que não veio, e não me importa mais se virá. Por alguns minutos esqueço dos sonhos, esqueço do futuro que tanto perturba, esqueço da vida que quero ter e da que tenho, e penso: Não quero mais nada. Mais nada.
Porque querer dói demais quando não se pode ter.
Me falta coragem pra ser feliz. Vontade tenho aos montes (suspirou) me falta é coragem, meu bem.
A porta do quarto se fecha e quando deveria dormir, choro.
Quero tudo, mas essa noite, só por essa noite, não quero mais nada.

53.

AMOR E MEDO.

Quando eu te vejo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
— "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"

Como te enganas! meu amor, é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...

Casimiro de Abreu.

21 de fevereiro de 2012

52.

Herança.

Não, meu bem, não chore. Olhe pra mim, me escute:
Vai ser difícil sem mim, eu sei, mas acho que nesse tempo em que passamos juntos você aprendeu comigo e minhas manias esquisitas que a realidade não precisa ser sempre realidade e a fantasia muito menos.
Acorde amanhã e lembre-se de mim (de nós) como um sonho bom que você teve essa madrugada. E depois levante, olhe a barba no espelho como você faz todas as manhãs, tome um banho, ponha a sua roupa favorita e vá viver, depressa. O que você tem nas mãos - e que está se esvaindo da minha agora - é único, não existe nada antes ou depois disso, então aproveite o quanto puder. A vida é o que você faz dela. Faça algo bom da vida, querido.
O segredo da imortalidade é não morrer nos corações, nas mentes e nas palavras de cada geração, eu não consegui ser imortal, mas você pode ser: se tentar bastante. Mesmo quando a fé e a esperança pareçam ter sumido, acredite, nada é mais difícil de ir do que a esperança, ela sempre está lá, procure bem. Seja forte, embora isso não seja possível todos os dias, todas as horas, mas tente. Você não vai conseguir nada se não praticar essa coisa de nome tão pequeno, mas de uma dificuldade considerável: Ten-tar.
Você pode escolher ser imortal, mas não esqueça do mais importante (e sim, clichê): Ser feliz.
Pausou.
Agora preciso ir ser nada em lugar algum, e você precisa ser algo bem aqui - disse estendendo uma mão delgada para acariciar o rosto dele -, bem agora.
Então seja.
E fechou os olhos para a vida abrindo os olhos para o não-ser. E foi, foi ser nada em algum cantinho de lugar algum; sem dores e agora, só agora, sem esperança.

14 de fevereiro de 2012

51.

Pensamentos soltos.

Está chovendo lá fora, na sala um grupo conversa, na rua os carros passam e as pessoas com guarda-chuvas caminham de volta pra casa. Aqui dentro do quarto as luzes estão apagadas, a lanterna ligada. A caneta, o papel e o sentimento.
A chuva está ficando mais fraca, a luz da lanterna prestes a apagar, e não sei ao certo onde esse texto vai dar. Mas me sinto bela, embora sonolentamente triste.
Essa noite só quero deitar, dormir e esperar que ao menos o sonho seja aconchegante.
Um clique e a lanterna se apaga, o caderno é fechado, a caneta é guardada e a porta se fecha.
Vamos pra vida, enquanto a hora de dormir e sonhar não vêm.
Vamos sorrir sorrisos falsos lá fora, vamos chorar lágrimas verdadeiras no travesseiro, vamos fechar os olhos e pedir com fé que algo venha, subitamente, em uma noite chuvosa, enquanto os carros passam e as pessoas com guarda-chuvas caminham de volta pra casa.

4 de fevereiro de 2012

50.

No Caminho, com Maiakóvski.
Eduardo Alves da Costa.
Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

1 de fevereiro de 2012

49.

Dentro do quarto. Dentro de mim.

No começo uma luz fraca e titubeante, depois de um tempo não havia mais nada, se apagou.
Não podia mais, no silêncio da casa, desligar as luzes do quarto e ligando sua lanterna passar momentos tristonhos e aconchegantes dizendo frases sobre o que sentia, sobre o que temia, sobre o que tinha e não tinha. Mas agora não podia mais contar com a pequena luz - no fim do túnel? - que não fazia da escuridão inteira.
Outra noite se virou enquanto tentava dormir e notou que ela estava ligada, sem um notório porquê, lá estava a luz. Levantou e apagou, voltou a dormir.
Hoje a casa está quieta, as janelas fechadas e não há luz, a escuridão é inteira aqui dentro do quarto, e me pergunto então como as coisas estão aqui dentro de mim.