7 de dezembro de 2012

66.

Essa é Ester.

Com sete anos de idade quis ser astronauta, não deu. Quis correr por campos de flores, não encontrou -- também não procurou muito. Quis cantar para milhares de pessoas, não sabia, não podia -- desistiu. Durante toda sua infância brincou sozinha com suas bonecas, cresceu e se acostumou a viver também sozinha, com seus personagens, suas histórias, suas divagações. Aos dez encontrou um palhaço encostado na lona no fundo do circo que disse a ela que a vida não tinha graça. Aos catorze pensou ter sentido o amor e chorou patética crendo piamente que aquilo nunca iria passar -- passou. Aos dezesseis sonhava em subir até o topo de uma torre telefônica que havia na sua cidade -- foi embora da cidade, nunca subiu tão alto, mas ainda sonhava. Aos dezessete rodopiava pela casa ouvindo músicas e sonhando em ser livre como um pássaro. Nunca teve um sonho [que se sonha dormindo] que fizesse sentido. Passou cinco anos sem amar, embora ninguém tivesse quebrado o seu coração em pedaços. Aos vinte possuía dezenas de enormes sonhos no peito e nas mãos quase nada do que havia esperado para o futuro. Mas isso ninguém viu.

E nada disso importa agora.

Aos vinte e um ela caminhava à noite pela rua pensando em jogar tudo para o alto e ir viver a vida como se cada dia fosse o último, quando foi surpreendida por um caminhão que não deixou intacta quase nenhuma parte de sua casca chamada Ester -- que já não parecia ela, mas que nunca de fato o foi --. Ester já não existia, ela costumava ser um conjunto de órgãos e pensamentos e principalmente sonhos. Enquanto a multidão toda se aproximava para ver o ocorrido, algo sem cor subia e explodia no céu azul escuro daquela noite sem estrelas, eram seus sonhos -- mas isso ninguém viu.