Essa é Ester.
Com
sete anos de idade quis ser astronauta, não deu. Quis correr por campos de
flores, não encontrou -- também não procurou muito. Quis cantar para milhares de
pessoas, não sabia, não podia -- desistiu. Durante toda sua infância brincou
sozinha com suas bonecas, cresceu e se acostumou a viver também sozinha, com
seus personagens, suas histórias, suas divagações. Aos dez encontrou um palhaço
encostado na lona no fundo do circo que disse a ela que a vida não tinha graça.
Aos catorze pensou ter sentido o amor e chorou patética crendo piamente que
aquilo nunca iria passar -- passou. Aos dezesseis sonhava em subir até o topo de
uma torre telefônica que havia na sua cidade -- foi embora da cidade, nunca
subiu tão alto, mas ainda sonhava. Aos dezessete rodopiava pela casa ouvindo
músicas e sonhando em ser livre como um pássaro. Nunca teve um sonho [que se
sonha dormindo] que fizesse sentido. Passou cinco anos sem amar, embora ninguém
tivesse quebrado o seu coração em pedaços. Aos vinte possuía dezenas de enormes
sonhos no peito e nas mãos quase nada do que havia esperado para o futuro. Mas isso
ninguém viu.
E nada disso importa agora.
Aos vinte e um ela caminhava à noite pela rua pensando em jogar
tudo para o alto e ir viver a vida como se cada dia fosse o último, quando foi
surpreendida por um caminhão que não deixou intacta quase nenhuma parte de sua
casca chamada Ester -- que já não parecia ela, mas que nunca de fato o foi --. Ester
já não existia, ela costumava ser um conjunto de órgãos e pensamentos e
principalmente sonhos. Enquanto a multidão toda se aproximava para ver o
ocorrido, algo sem cor subia e explodia no céu azul escuro daquela noite sem estrelas, eram seus sonhos -- mas isso ninguém viu.