30 de março de 2012

57.

Conhecimento.

Enquanto apresentava sua imensa biblioteca para o neto de sete anos, ele disse:
— Você precisa ler muito. Graças aos livros hoje eu sei quem foi Mozart, Chaplin, Chopin, Drummond, Gandhi e muitos outros seres memoráveis!
O garoto olhou confuso e perguntou:
— E nós, vô?
...
Quem somos nós?
(BASEADO EM UMA TIRINHA)

27 de março de 2012

56.

Vestido de renda.

O fim da linha é apenas um penhasco onde os trilhos não podem passar ou existe um paraíso?
Esse é um trem feio, velho e sujo. Nada clássico se quer saber.
Estou em um assento pouco confortável; não existe um herói ou um cowboy e eu não sou uma garota com vestido de renda, chapéu e lenço.
Essa é a vida    não um filme, não um sonho  é a vida, ouviu falar? Melhor seria se não a conhecesse, mas agora o jeito é seguir em frente.
Aqui dentro tudo é feio, e pular do vagão significa o fim: onde nada terá a chance de melhorar, embora ficar talvez tenha o mesmo resultado.
Está escutando esse som do atrito das rodas com o ferro no chão? Todos os dias ouço o mesmo som. Nunca pára esse trem para coisa alguma nova entrar; sempre a mesma paisagem seca, sempre as mesmas palavras grossas.
Sempre esse mesmo balanço, essa ânsia no estômago, essas lágrimas e essa falta de lenço, chapéu e vestido de renda; essa falta de herói, mocinha e história de amor e história de vida, essa falta de uma história interessante qualquer que se possa contar em uma bela noite e ser ouvida com curiosidade.
Olhando a vida de longe consigo ver com moldura comum — em parede branca — um quadro simples na exposição da existência; nele a imagem de uma menina sentada no aposento de um trem olhando pela janela a vida passar.
Ah... Se ela ao menos tivesse coragem.

1 de março de 2012

55.

Fim do dia.

Atravesso mais um dia cheio, sem perder o vazio de sempre, é claro. Estou indo pra casa.
Veículo  vento  frio.
Engraçado, mas sinto como se algo fosse acontecer bem agora.
O céu está azul, ou violeta, não sei. Está anoitecendo.
Vejo rostos passarem rápido  casas, ruas, vidas. Engraçado, mas sinto como se algo fosse acontecer bem agora. Como se um meteoro fosse cair logo a frente, como se o céu fosse se abrir e cavaleiros descerem dele, como se em um piscar de olhos eu fosse sumir, como se nunca tivesse feito parte desse cenário, ou até mesmo como se o cenário fosse mudar de repente, como se ele sempre estivesse lá.
Calor  cansaço  desejos. Engraçado, mas sinto como se algo fosse acontecer bem agora.
Mas nada acontece, você sabe. E assim são as minhas noites, manhãs e tardes: Um amontoado de horas em que nada vem.
Nada acontece. Nada acontecerá.
As pessoas estão caminhando para algum lugar agora e eu (nesse veículo controlado por um estranho) tento imaginar o que está se passando na mente de cada um ao meu redor:
O homem cantando e ouvindo música no carro cinza. A mulher esperando a hora certa de atravessar a rua. Três pessoas em um carro para apenas duas. O homem na bicicleta. A mãe e o menino.
Cada vida um universo,
cada universo uma dor.
Engraçado, mas sinto como se algo fosse acontecer bem agora. Já disse isso? Que seja.
Mas nada desceu do céu, nenhum meteoro, nenhuma explosão.
É apenas mais um dia — cheio e ao mesmo tempo imensamente vazio  que chega ao fim
para amanhã recomeçar.