4 de agosto de 2012

63.

Iconoclastas.

O vento nas palmeiras — posso até ouvir. Forte, inexorável, falante.
O grilo emite o seu sinal: constante, incansavelmente. Nenhuma banda fora antes tão resistente.
Aqui dentro — e falo sempre sobre o aqui-dentro — estava escuro e com a lanterna-azul acesa, até as pessoas aparecerem com o desespero dos iconoclastas e destruírem todas as imagens de beleza que tentava manter na quietude e paz do meu silêncio, da minha escuridão.
Mas o vento continua — balança algo no telhado — e não há nada que o impeça, nem ao grilo, nem aos carros periódicos na rua. Porém a mim a vida opõe-se, sou no íntimo contra as leis do que é real. Este, imutável e  rude, tira-me as luzes apagadas, a ausência de palavras, de movimentos, ações, barulhos e presenças.
E depois de um dia longo e cansativo sendo, lá fora, sob a influencia do patético, tudo o que queria evitar ser hoje (tudo o que evito ser todos os dias) queria poder abrir a porta e ser como uma folha de palmeira livre, levada pelo vento para bem longe daqui. Onde os grilos ainda cantem, o vento ainda fale, os carros ainda passem, mas onde eu possa continuar só e poética e acreditar com toda a fé do mundo que existe um lugar  —  e é aquele — onde eu posso ser o que sou, sem interrupções, sem iconoclastia.