4 de agosto de 2011

34.

As cores do meu quarto.

Aprendi que um objeto exposto a uma luz monocromática pode emitir apenas duas cores: o preto e a cor dessa mesma luz. Depois notei que a minha vida é como um quarto com uma luz monocromática emitida pelas pessoas a minha volta, e eu, um simples objeto, aparento ser como os outros que me cercam, não consigo mostrar as minhas cores verdadeiras. Vivo a procura de um lugarzinho no mundo onde cada um possa mostrar quem realmente é, onde as luzes são brancas e permitem que todas as cores sejam expostas. Não quero aparentar ser apenas o reflexo desse mundo patético, eu sou bem mais. Quero mostrar e ver toda a infinidade de cores ao meu redor, todo esse arco-íris. Queria um lugar onde as pessoas não vissem apenas o pior das outras, nem criticassem em noventa por cento do tempo em que estão acordadas. Ai, como eu queria um mundo onde eu pudesse respirar um ar sem toda essa maldade, maldade a qual também é a cor da luz monocromática dessa minha vida, essa maldade que é uma das únicas cores que eu posso exprimir nesse quarto preto e patético, preto e crítico, preto e maldoso, nesse quarto que de todo modo é escuro e não há portas nem janelas que deixem a luz entrar.

33.

Quem me dera ter a paz de uma aranha.

Eu olhava além, até que encontrei algo entre o objeto observado e eu (a observadora). Em uma teia muito interessante e nem um pouco visível estava ela: a aranha. Olhei, com olhos amiudados, aquele inseto minúsculo, e o que antes chamava a minha atenção perdeu a nitidez para dar foco a aranha, tão pequenina. Todo o som e todo o resto do mundo parecia ter sido suavizado. O minusculo inseto aparentava flutuar no ar, mas estava pendurado na sua teia finíssima, quase invisível. Cada pequena brisa que passava por ela a movimentava brandamente, era deleitoso olhar para aquele ser tão pequeno que tentava sobreviver em um mundo imensamente maior e ver que ele ainda conseguia se pendurar e se balançar como uma criança com um sorriso singelo, sem nenhum medo, sem nenhuma expectativa. Queria ser como aquela aranha que não se desesperou diante de coisas tão grandes ou mesmo pequenas, queria, em um mundo tão violento, transmitir a paz a qual ela aparentava ter, a paciência, a simplicidade. Queria eu flutuar como uma aranha e ter a paz precisa para atravessar o dia sem a ameaça constante das feridas de um mundo tão triste.

2 de agosto de 2011

32.

Mal secreto.
Raimundo Correia.

Se a cólera que espuma, a dor que mora
N'alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse o espírito que chora,
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!

31.

As pombas.

Raimundo Correia.

Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...