Sobre o texto Sobre ruas e calendários. Sugiro que leia-o antes de continuar.
Há alguns dias atrás me veio inspiração para continuar a história da personagem Ameli e seu autor. Entretanto, o futuro que revelei a ele sobre a menina era muito triste. Consistia em contar como foi a vida de Ameli depois de ter escolhido qual rua seguir e como, apesar de ter escolhido a rua L'Amar, ela não havia escapado da morte, pelo contrário, havia dado início à lenta morte que era viver na dureza e feiura do real.
A primeira imagem que revelei ao escritor de Ameli foi dela com setenta anos, sentada numa poltrona floral encardida, numa casa empoeirada, óculos empoeirados na mesa, pele enrugada, veias e xícaras com asas quebradas. Depois, todas essas coisas inertes que velavam o corpo de Ameli contaram ao escritor como havia sido a vida dela depois do dia da grande epifania que tivera.
Escrevi. E, na metade da história, resolvi parar por um tempo. Parecia que ela ia ser bem grande e eu não teria condições de escrevê-la toda de uma só vez, em um só dia. Porém, depois de voltar ao que estava fazendo, senti-me muito pesada e triste; a história era poética e bonita em sua melancolia, mas não era o que eu queria para Ameli, mais que isso: não era o que eu queria para mim.
Voltei à página onde havia escrito boa parte da história e comecei a apagá-la. Apaguei a tristeza de Ameli, a aspereza da vida, as pessoas sendo más, o futuro decepcionando, seus sonhos morrendo, a casa empoeirada e velha. Apaguei todos. Nunca existiram, portanto. E no lugar de toda a tristeza escrevi somente uma frase:
Ameli foi muito feliz.
E foi.
O.B.S.: O objetivo desse texto não é dar um final a Ameli, mas contar sobre minha tentativa de fazê-lo. Quero que percebam que não optei por continuar a história de Ameli - a qual ninguém sabe como é nem por onde anda -, mas exercer o poder que tenho como escritora de ficção e deixar de lado a visão pessimista que eu pretendia seguir. Esse texto se rebela e diz: o que aconteceu de verdade pouco importa, até porque não existe verdade nessa história senão o que acreditarmos sê-la.
Acho que você deveria nos dar um final alternativo... Como aqueles filmes com dois finais, com como O Jogo da Amarelinha, do Cortázar.
ResponderExcluir^^
Ler esses textos me remeteu instantaneamente a outro que durante muitos anos mexeu comigo profundamente, "A uma passante" do Baudelaire. Daquele dia em diante passei a escrever para pessoas que eu sequer conhecia, e que sequer me leriam, acho que é uma forma de dar continuidade a vidas efêmeras.
ResponderExcluirGosto muito da sua narrativa, me identifico demais. Lindo te ler.
Lembrei-me também de Vinícius em "A mulher que passa":
"Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pêlos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.
Meu Deus, eu quero a mulher que passa!"
Ameli foi feliz! Eu sei.
Oi!Gostaria de convidá-lo a conhecer meu novo endereço:
ResponderExcluirwww.feitaparailetrados.blogspot.com
Ainda estou arrumando a casa, mas já pode se abrigar por lá!
Obrigada pelo carinho enquanto estivemos juntos no leiakarine.blogspot.com
Tô te esperando...
Contento-me com "Ameli foi muito feliz", mesmo esse não sendo o seu final, ela foi muito feliz de fato na manhã da epifania.
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