21 de janeiro de 2012

46.

NATAL

Fechou com cautela a porta disforme de madeira que mal trazia segurança ao casebre. Fitando o nada entre si e o chão aos seus pés, com as mãos no bolso do short sujo e velho, começou a caminhar sob o céu estrelado daquela noite de natal.
Fazia frio e suas roupas não o ajudavam a vencê-lo, mas suportava com pesar. O garoto tinha sete anos de idade, roupas gastas e sandálias maiores que os pés.
Há tempos havia ouvido falar que as crianças ricas ganhavam ótimos brinquedos de natal, então decidiu passar a noite no bairro mais rico que conhecia, esperando que o Papai Noel aparecesse, pois planejava saber o porquê dos garotos da sua vila não receberem presentes.
Pelo caminho pensava alto e conversava consigo mesmo: Se o Papai Noel não puder mandar presentes para os garotos da minha vila vou pedir ao menos um para o meu irmão Caio, ele quer muito uma bola de futebol de verdade. Preciso explicar ao Papai Noel que não é nossa culpa não termos biscoitos e leite, nem chaminé! Ele vai entender...

Chegou ao seu destino: uma rua com casas grandes, pintadas com cores bonitas e totalmente enfeitadas. Ele se maravilhava com tantas luzes e músicas belas que vinham de dentro das casas. Escutava também gargalhadas e via pelas janelas abraços e sorrisos que invejava.
Caminhou até chegar a um banco de cor branca numa pequena praça rodeada por casas. Esperou pacientemente algum sinal de um homem velho e gordo com roupa vermelha e um saco nas costas. Esperou por muito tempo, tanto que não ouvia mais som algum.
E então, como um flash, lembrou-se do que ouviu sorrateiramente um garoto mais velho dizer certa vez:

— Papai Noel não existe, só as crianças acreditam nisso!

Nunca antes havia pensado nessa afirmação como algo possível de ser verdade, mas aquela ausência o fez repensar. Notou que assim tudo fazia sentido. Por um segundo sua mente se iluminou: ele parecia entender e doía , tudo se encaixava: os brinquedos, as luzes, as crianças ricas e a ausência de tudo isso na sua vila de pessoas tão pobres.
Sentiu algo gélido invadir-lhe começando na região do coração e indo para as extremidades. Lentamente deitou-se encolhido no banco em que estava, com cuidado, como se fosse quebrar-se. Seus olhos de criança-assustada estavam úmidos, as lágrimas começaram a descer e encontraram-se com o chão. Se virou para olhar as estrelas, uma das poucas coisas que todos podiam ter, e um cansaço profundo apareceu. Esperava que houvesse alguma esperança, mas garotos como ele não podiam se dar ao luxo de tê-la, ele pensou. A realidade batia à sua porta de uma forma grosseira e inexorável. Abraçou os braços, encolheu as pernas e, sussurrando coisas como a vida é tão triste”, ele pegou no sono.

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