9 de junho de 2011

18.

O espelho despedaçado.

Ele deixou cair no cinzeiro o cigarro que se apagara.
Uma vez, quando era menor ainda do que você, brincava com um espelhinho à beira de um poço da minha casa, eu morava numa fazenda meio selvagem. O poço estava seco e era bonito o reflexo do espelhinho correndo como se fosse uma lanterna pela parede escura, sabe como é, não?
Mas de repente o espelho caiu e se espatifou lá no fundo.
Fiquei desesperado, tinha vontade de me atirar lá dentro pra buscar os cacos do meu espelho. Então alguém acho que foi meu pai levou-me pela mão e me consolou dizendo que não adiantava mais nada porque mesmo que eu juntasse, um por um, os cacos todos, nunca mais o espelho seria como antes. Sabe, Virgínia, vejo Laura como aquele espelho despedaçado: a gente pode ir lá no fundo e colar os cacos, mas tudo então o que ele vier a refletir, o céu, as árvores, as pessoas, tudo, tudo estará como ele próprio, partido em mil pedaços.
Veja bem, triste não é o que possa vir a acontecer... a morte, por exemplo. Triste é o que está acontecendo neste instante. Ela tem a cabeça doente, o coração doente... E não há remédio. Só o sopro lá dentro é que continua perfeito como o espelho, antes de cair no chão.

Lygia Fagundes Telles.

Nenhum comentário:

Postar um comentário